Sr. Alfaiate, DJ e produtor: ‘O português no Brasil é mais redondo’

Premiado autor português de música negra urbana e contemporânea veio ao Rio dar workshop, além de captar e costurar sons para seu novo disco.
Sr. Alfaiate, que tem apelido por considerar a música como uma atividade de corte e costura, fala sobre o hip hop em Portugal, no Rio e conta quem é seu ídolo no Brasil - Guito Moreto / Agência O Globo

“Tenho 36 anos e nasci em Carcavelos, zona de DJs e grafiteiros em Portugal. Comecei num grupo chamado Micro, um dos primeiros de hip-hop do país. Nós todos tínhamos uma veia musical muito grande. Estou aqui porque preciso do Rio, suas cachoeiras e suas ruas, para terminar meu novo disco”

Conte algo que não sei.
Para um DJ que grava discos autorais, o Rio é um gigante arsenal sonoro. Saio com um gravador pelas ruas e vou captando a música da cidade, não tenho limites, podem ser vozes de improviso da rua, instrumentos, barulho de trem. Mas podes também ir a uma cachoeira e captar a sonoridade da selva, ou a um show e captar a voz de artistas.

Pouca gente conhece rap português aqui. Portugal é mais aberto à arte brasileira?
Sinto isso há muitos anos. Bastante música brasileira entra em Portugal. A qualidade derruba qualquer muro. Mas acho que Portugal, por si, não é um país que exporta muito. Não sei por que isso acontece.

E como é essa nova cena musical portuguesa?
A nova geração está a dar muitas cartas na cena rap de meu país, que vive entre dois mundos: o do rap criolo e o do rap português. O rap criolo é mais musical, lida mais com o canto e o dialeto criolo mesmo, uma língua mais redonda e musical que o português. É como a diferença entre o português no Brasil e o português em Portugal.

De que diferença você fala?
O português no Brasil é mais redondo, é uma coisa que na música faz todo o sentido. E o de Portugal... bom, não quero estar aqui a dizer besteiras, mas é mais quadrado. Não é no mau sentido, porém é mais frio, matemático. O que não impede que seja belo e que se faça um rap fantástico com ele.

O hip-hop em Portugal já saiu da periferia?
Sim, completamente, já chegou aos bairros ricos. Mas ainda há muitas pessoas que defendem a vertente underground. Contudo, o bonito da coisa é que toda a gente se interliga de alguma maneira.

Já tinha ouvido o hip-hop do Rio antes de vir para cá?
É minha segunda vez no Brasil, mas já conhecia. Eu sou muito influenciado pela música brasileira. E como DJ tenho uma coleção de vinil muito bem mantida. É uma pesquisa constante, eu acho que passas a tua vida toda a pesquisar, pesquisar.

Por que Sr. Alfaiate?
A música é como corte e costura. Meu nome mesmo é Nelson Duarte. O Sr. Alfaiate é por causa da agulha da vitrola e pela conexão que eu costurava com os rappers e com produções.

E que tecidos brasileiros você recorta para se vestir?
Como estou aqui para terminar meu disco, e já sou influenciado pela música brasileira, pelo samba, por tudo, não paro de captar, como disse, sem pensar em estilos em especial. Mas há um nome importantíssimo que é Wilson Simonal. Eu, quando estava em tour na Europa, fiquei a ouvir, a absorver aquilo durante as viagens todas e a ouvir coisas geniais. Foi instinto mesmo, humano: eu ouvia, ouvia, ouvia.

O que bateu em você ali foram os arranjos, a voz, a manemolência?
Foram aqueles arranjos de orquestra... Gigantes. Também fui fã um tempo do filho dele, Max de Castro. O interessante do Simonal é que ele apareceu assim, na segunda metade dos anos 1960, com uma orquestra pesada e tudo, num momento em que se buscava ou uma coisa intimista, ou uma revolução grande com a Tropicália, ou o protesto. E ele estava lá com uma orquestra americana...

Fonte: O Globo

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